domingo, 6 de julho de 2014

Testamento Vital, mais vale tarde que nunca!

Desde o dia 1 de Julho que está disponível, no site da ARS, o formulário do Testamento Vital, apesar de ele já poder ser feito há sensivelmente um ano.
Este testamento é algo simples e que visa, unicamente (na minha opinião), que as pessoas tenham voz sobre o que querem, numa altura em que ainda a podem pronunciar.
Quantas vezes ouço “Se fosse eu, preferia morrer do que ficar assim?” ou “Morrer era um favor que Deus lhe fazia, está a sofrer tanto!” Pois bem, está na hora das pessoas, que realmente pensam assim, tomarem a rédea sobre o que querem que lhes façam, ou não, caso se vejam em situações de doenças em estado terminal ou doenças do foro neurológico graves.
A medicina está vocacionada, e bem, para salvar vidas humanas até à última réstia de esperança. O problema advém, muitas vezes, do produto dessa salvação. Muitas vezes salva-se um corpo, mas não se salva a vida (peço desculpa pela crueldade do pensamento). E em todas estas situações, nas que não há nenhuma réstia de recuperação, acontece a normal deterioração (que mesmo com todos os cuidados é inevitável) de um corpo inanimado, em que apenas os órgãos sobrevivem. E essa deterioração é acompanhada de processos dolorosos, infeções, de sofrimento etc. E mesmo acontecendo isto, procura-se tratar as pessoas até que uma infeção mais grave ou alguma falha orgânica não o permita. Atenção, falo em tratar, pois o cuidar tem que estar sempre presente até ao fim da vida, com ou sem testamento vital.
Como também acontece em doenças terminais, em que as pessoas são mantidas de forma artificial, com técnicas invasivas (e porque não dizê-lo, dolorosas), muitas vezes atrasando o resultado final, mas não permitindo qualquer aumento da qualidade de vida.
Por isso acho o testamento vital é algo do género de “mais vale tarde que nunca”. Finalmente as pessoas têm a oportunidade de antecipar-se e poderem ter mão no que querem ou não. E juntando a isso, alivia-se os familiares de terem que decidir algo por nós, que muitas das vezes vai em contra do que a pessoa doente quer (ou quereria).
Contudo, já li algumas barbaridades, fruto, muito em parte, da ignorância das pessoas….outras da estupidez.
Há quem diga que não confia nos médicos (“há cada médico aí!”) que vão ajuizar as possíveis situações (falamos sempre de hipóteses), que podem aproveitar-se do facto de as pessoas terem elaborado e assinado este documento para deixá-las morrer, mesmo que a situação não o justifique. No fundo, uma maneira simpática de dizer, para as matar. Que por esquemas e dinheiro serão capazes disso. Que pela crise, quantos mais morrerem melhor e se consentirem “porreiro pá!”. Como profissional de saúde, mesmo sabendo que há bons e maus médicos, mais sérios e menos sérios, não me passa pela cabeça que uma coisa destas possa acontecer e sinto-me ofendido por ouvir dizer algo assim. Não confiam neles para isto e confiam para as operarem? Para as diagnosticarem e prescreverem medicação? Coerência por favor. Não é por um professor ser pedófilo que deixamos de acreditar nos docentes, não é por um condutor de autocarro ser alcoólico que deixamos de andar de autocarro, não é por um maquinista ser responsável pelas mortes de dezenas, que deixamos de andar de comboio, e podia continuar com isto.
Outra aberração, é que isto é uma abertura para a eutanásia ou que isto é a eutanásia. Só pode dizer isto, alguém com desconhecimento, ou com uma grande confusão, de conceitos. Ninguém vai dar o que seja para que um doente morra. Até hoje, quando se seda um doente (em estado terminal, por exemplo), não se dá uma dose para matar (isso é nas execuções na América). Usa-se a dose necessária para o doente ficar sedado e tranquilo. Se a sedação pode diminuir o tempo de vida? Pode e diminui. Mas a pessoa tanto pode aguentar um dia, uma semana ou um mês. Não se dá uma dose para que a pessoa morra, de forma calculada, daí a uns minutos ou horas. Isso é crime. Não abordarei aqui a questão da eutanásia (a meu ver tema pertinente).
Eu, que vejo casos como os que acima referi todos os dias, digo “Eu não quero isso para mim!” Não estou a dizer que não o quero para os meus doentes ou para as outras pessoas. Não sou Deus ou quem quer que seja para o dizer, muito menos para o decidir. Só faz o testamento vital quem quer e quem o faça não vai interferir na vida de ninguém por o fazer. Por isso, quem o quer saúda que se possa fazer, quem não quer que se limite a abster-se de criticar quem o faz e tentando impor o seu desejo aos demais.

Pensar e decidir, quando quem sofre são os outros (e dos outros) é a coisa mais fácil que há.